O que a inteligência artificial (ainda) não consegue substituir | Por Giuliano Fernandes
02/02/2023, às 09:28:56
A roda de conversa é um alicerce social que reduz a indiferença e aproxima os diferentes
A tendência natural das pessoas é se aproximar daquelas que pensam da mesma maneira – Goethe chamava isso de afinidade eletiva – Porém, ao decidirmos quem seguir e quem excluir, comportamento facilitado pelas redes sociais digitais, terminamos por nos separar, nos concentrando em comunidades uniformes e autorreferenciais, ou em “câmaras de eco” como dizia Umberto Eco em sua brilhante obra Construir o Inimigo.
Esse caminho artificial criado pelas tecnologias alterou radicalmente a forma na qual construímos ideias, com a troca de informações passando a ser determinada por algoritmos que produzem percursos artificiais criados sobre a base de preferências comerciais, simpatias políticas, cronologia das buscas e geolocalização.
Mais do que isso, as interações entre máquinas e humanos estão criando um multiplicador informativo tão potente, que o volume de dados disponíveis é superior à nossa capacidade de interpretação. Paradoxalmente, o aumento dos dados está aumentando a assimetria informativa, comprometendo nossa capacidade de nos levar até a verdade, entendida como êxito da verificação de uma hipótese. De certa forma, é a confirmação do alerta feito por Kierkegaard, de que “os números não decidem a verdade”.
Mais recentemente, observamos o fervor midiático criado pelo ChatGPT, que usa “machine learning” para encontrar padrões em dados, em maior parte escritos por humanos, para produzir textos de resposta que pareçam humanos. O “machine learning” é o maior sistema de reconhecimento de padrões já inventado. É como a interface de voz Alexa trabalha e como o Google pode te encontrar em fotos em meio a outras pessoas.
Porém, recente pesquisa realizada pela universidade IULM de Milão em parceria com o Omnicom PR Group aponta claramente os problemas que a hiperconexão e o excesso de informações traz para a comunicação empresarial. Nomeada de “Post-Invasion”, a pesquisa analisa a reputação de 64 marcas em oitos diferentes setores, em uma época de emergências continuas: da pós-pandemia à guerra, das crises econômicas às socioambientais.
Chamam atenção os dados relativos ao quanto as pessoas estão indiferentes perante as ações de comunicação e marketing feitas pelas marcas, em alguns casos, chegando a 40% dos entrevistados. Uma das causas parece estar relacionada à dificuldade de o público alvo entender o que é autêntico e crível no posicionamento empresarial em meio a tantas informações. A pesquisa ainda aponta que a atenção está mudando do “porque” para “quem” comunica, devido ao aumento da distração causada pelo excesso de telas e pela busca de modelos e pessoas confiáveis e capazes de decodificar as mensagens, apontando a necessidade de um storytelling mais humano e simples de ser compreendido. Se por um lado há um excesso de informação, parece faltar conexão emocional e humana como base principal para se capturar maior interesse e atenção.
Parece que a solução aos tempos atuais se volta para a base da história de evolução dos Homo sapiens, com conhecimento e confiança sendo construída através das relações, forjadas como numa roda de conversa ao redor de uma fogueira, como fazíamos desde nossos ancestrais.
Assim como a condução de um veículo depende de quem o guia, não existe livre arbítrio da máquina. Por trás de qualquer inteligência artificial existe um grande ser humano.
No contexto das empresas, lideres com habilidades em contar boas e verdadeiras histórias parecem ser um ativo cada vez mais relevante.
Giuliano Fernandes, head de marketing e comunicação da CBMM